domingo, 9 de junho de 2013

Lápis, câmera e ação!

Por Sofia Cupertino

Quem visitasse a Aldeia Verde (Ladainha, MG) entre os dias 10 e 13 de Maio, encontraria quase toda a comunidade mobilizada ao entorno de computadores, máquinas de filmar e de fotografar, cadernos e lápis de cor. Durante esse tempo, desde os mais novos até os mais velhos tiraram grande parte dos seus dias para se dedicarem a um grupo de trabalho voltado para a produção de um novo livro de cantos.

Já são três as publicações elaboradas a partir dos cantos tikmũ’ũn. Cada uma das edições trazem cantos escritos na língua Maxakali e traduzidos integralmente para português. Todas vêm acompanhadas de DVD´s com gravações de todos os cantos presentes no livro. Além disso, levam ao público belas ilustrações de vários artistas colaboradores da própria comunidade. Neste novo trabalho, serão registrados  e gravados todos os cantos do conjunto do ritual Po'op, traduzido como “macaco-espírito”. 


O processo

Dias de trabalho intenso são necessários para a construção de um livro como este. A produção acontece durante encontros entre pesquisadores e a comunidade. Para isso é preciso ou que os pesquisadores visitem as aldeias ou que alguns representantes viagem para Belo Horizonte. Por isso, quando se reúnem, acadêmicos e indígenas procuram aproveitar ao máximo o tempo juntos, como aconteceu no mês de Maio de 2013, em que durante manhãs e tardes inteiras eram realizados trabalhos de escuta atenta às gravações de cantos, de criação de ilustrações e de discussões com os mais velhos.

Discussões e escuta atenciosa

O processo de transcrição dos cantos é feito com bastante cuidado e rigor.  A comunidade e os pesquisadores compreendem a importância de que um livro como este seja condizente aos cantos, à língua e ao seu sentido no contexto da sua execução.
A gravação dos cantos Po ´op aconteceu no ano de 2010 e é a partir desse material que se faz a transcrição para o livro. O professor, cineasta e pesquisador do Projeto de Documentação das Línguas Indígenas (Prodoclin),  Isael Maxakali, é um dos principais responsáveis por esse trabalho e é sua letra que vemos nos primeiros registros ortográficos destes cantos: 


Durante o encontro com pesquisadores,  Isael precisa escutar atentamente as gravações para escrevê-los. Mas não é sozinho que trabalha: outros membros mais velhos da comunidade costumam ficar bem próximos, acompanhando atentamente a escrita. Muitas vezes, iniciam preocupadas discussões acerca das palavras e do sentido dos cantos. Nos momentos de reflexão, a transcrição é interrompida até que os envolvidos entrem em consenso, fazendo do processo uma escuta não só ativa e mas também  coletiva, cujo resultado é um material cuidadosamente lapidado. 

Os jovens e as imagens-canto



Além disso, enquanto os mais velhos se debruçam sobre as letras, os mais jovens exploram traços, cores e formas. Crianças, adolescentes e adultos espalham lápis de cores e canetas pelas mesas, revezando entre linhas e coloridos, vão criando imagens-canto. Dos papéis vão surgindo um universo de capivaras, vacas, aves pequenas, grandes, coloridas, homens brancos com suas armas e produtos, indígenas nas estradas da cidade, plantas e mapas.
Ainda não sabemos ao certo que canto irá ilustrar cada desenho (a tradução, nesse momento, ainda não foi feita). Mas o muito que nos dizem as imagens já nos mostra um pouco do significado de alguns deles. São desenhos-partitura que podem ser como uma extensão dos cantos.  Trazem para o mundo das imagens fixas as cenas que os cantos intensificam. Fixas, mas sempre em movimento: a vivacidade das cores e dos traços nos dá a sensação de que os personagens estão prestes a se descolar pelo mundo exterior. Pelos desenhos, o canto chega aos olhos.


Esta ilustração, por exemplo, segundo eles, irá ilustrar o canto que dá voz a uma vaca. Disseram-nos que neste canto, o animal fala sobre o seu dono. A vaca descreve como o fazendeiro branco a olha durante horas a fio, fumando seu cigarro. Depois, diz como seu criador resolve matá-la e vendê-la em troca de alguns presentes para sua mulher, armas e outros objetos. 

Filmagens e gravações

Neste período de trabalho, Isael  também se dedicou à produção de vídeos , a gravações de cantos e a pesquisa sobre suas origens,  além de registro de narrações e de mitos e histórias.
Em um dos dias, as meninas da aldeia se prepararam para cantar e serem filmadas. Pintaram em seus rostos motivos usados também  no mĩmãnãm (pau de religião, trazidos pelos yãmĩyxop - espíritos- em suas visitas às aldeias). Coloram seus vestidinhos vermelhos, costurados pelas próprias mulheres da aldeia – como já é de costume usarem roupas confeccionadas por elas mesmas. Sentadas lado a lado, foram acompanhando as indicações e ensinamento das mais velhas, cantando, enquanto Isael registrava a aula. Maísa Maxakali foi uma das mulheres que esteve presente durante toda a gravação, acompanhando as meninas e lhes mostrando o caminho a ser cantado.





O vídeo produzido neste dia fará parte do material audiovisual que acompanhará o livro didático “Cantos tikmũũn para ver, ouvir, pensar e agir”. Este livro é uma produção que integra as atividades do Projeto “Ancestralidade e convivência no território tikmũ’ũn”, aprovado pelo MEC para ser executado neste ano de 2013. A intenção é levar à comunidade escolar das cidades próximas às aldeias, que os tikmũ’ũn precisam visitar e aonde gostam de ir, um pouco sobre a cultura Maxakali.  Mas a espinha dorsal dessa publicação são os cantos: todo o conteúdo parte deles. Daí a importância de materiais como esse, que mostrem ao publico como o vasto conhecimento contido nos cantos é transmitido para os mais jovens.
Outro canto foi gravado com o intuito de promover material audiovisual para o livro didático: “O canto da madioca”. A filmagem servirá de extensão visual para o capítulo do livro que leva o título “Cantos para multiplicar as coisas que existem”. Isso porque alguns cantos tikmũ’ũn parecem ressaltar a natureza diversa das coisas do mundo e a individualidade que faz de cada ser uma existência única. Algumas letras nos chamam a atenção para as diferenças, como os formatos das raízes de um pé de mandioca que a primeira vista podem ser percebidos por nós como iguais ou muito parecidos. Dessa vez o cenário não podia ser qualquer um: os cantores se deslocaram para o mandiocal e lá foram filmados os cantos. Enquanto cantavam, tiravam da terra a raiz de um dos pés da plantação. Foram apontando a variedade de formatos de cada parte, como nos diz o a letra do canto:

O canto da madioca


debaixo do braço
levando uma raiz grandona debaixo do braço
debaixo do braço
levando raiz comprida debaixo do braço
debaixo do braço
levando raiz curta e grossa debaixo do braço
debaixo do braço
levando raiz muito grande debaixo do braço
debaixo do braço
levando raiz fina debaixo do braço
debaixo do braço
levando raiz bem escura debaixo do braço
debaixo do braço
levando raiz torta debaixo do braço
debaixo do braço
levando raiz achatada debaixo do braço
debaixo do braço





E o trabalho continua...

Outros filmes já estão por vir. Isael gravou todo o processo de produção do fio de embaúba com as mulheres, desde a escolha das árvores até a tecelagem de artefatos. O material já está sendo traduzido e logo um novo documentário será disponibilizado para o público. Além disso, Isael está acompanhando os belos trabalhos que as mulheres vêm desenvolvendo com miçangas. A intenção é também produzir registros audiovisuais deste processo. 

Arte com miçangas

A criatividade das artistas parece inesgotável. Em cada peça, uma variação nova salta aos olhos. As cores são vivas como as dos desenhos; as combinações são inusitadas e diversas. Os olhos não se cansam: quanto mais observamos, mais  descobrimos, mais nos surpreendemos.

Este ano o Museu do índio forneceu novas miçangas para que as mulheres possam  dar continuidade ao belo trabalho a que estão se dedicando. Algumas peças foram levadas para o RJ para serem comercializadas. Para a seleção das obras a serem transportadas, as mulheres preparam uma encantadora exposição. Espalharam seus trabalhos em toalhas pelo chão e cobriram mesas com as cores e formas geométricas de bolsas, porta-canetas, colares e pulseiras. Difícil mesmo foi escolher, pois cada peça se mostrava única, gritando cores em quase movimento.







Ainda mais verde

   Frutas, legumes, folhas e principalmente, ervas medicinais são alguns dos tipos de plantas cultivados na exuberante horta da Aldeia Verde. À primeira vista é até difícil distinguir os canteiros, tão crescidas e vistosas já estão as culturas. São bananeiras carregadas que erguem-se em meio às folhas de couve, enormes tufos de boldo que se entrelaçam nos galhos de um pé de pimenta, já salpicado de frutas vermelhas. Uma floresta de mandioca se espalha pela terra, se misturando aos pés de pepino, de cacau, quiabo, tomate e de tantas outras espécies.
Parte de toda essa abundância se deve aos cuidados do jardineiro Ailton. Já há dois anos foi contratado e trabalha para a Associação de moradores da Aldeia. Uma parcela dos alimentos é vendida às cidades e serve como meio de arrecadação de verba para a aldeia. Outra parte é consumida  nas refeições diárias, além de fornecer ervas necessárias para a prática medicinal tikmũ’ũn. Aliás, foi com elas que tudo começou: inicialmente, a horta era voltada apenas para o cultivo dessas plantas especiais, plantas que curam. Dona Noêmia Maxakali é uma das mulheres que possui grande domínio das propriedades benéficas das ervas. Enquanto caminha pelos cantiros, é capaz de nomeá-las todas, identificar seus efeitos e seu modo de preparo: uma é indicada para grávidas, outra para aliviar dores de cabeça, esta para o fígado...

Uma nova conquista

    O trabalho ocorria normalmente na tarde do dia 17, porém todos esperavam que as atividades fossem interrompidas em algum momento. O motivo? O fruto de uma nova conquista estava prestes a chegar. Era um carro. Mas não um meio de transporte qualquer; e sim, um bem comunitário de uso exclusivo da Aldeia Verde.
A ação foi resultado de uma parceria com a prefeitura de Ladainha. O atual prefeito de Ladainha, Waldir Nedir Oliveira, viria entregar o tão esperado carro e orientar os novos proprietários quanto às suas responsabilidades e foi recebido com alegria, aplausos e canto. O veículo vai permanecer na Aldeia em tempo integral.  Além disso, um motorista contratado pela prefeitura ficará à disposição dos moradores.
     A nova aquisição vai facilitar e muito os deslocamentos necessários dos tikmũ’ũn para as cidades próximas. Um meio de transporte seguro é fundamental para a manutenção da vida cotidiana e supressão de necessidades básicas dos seus moradores. Agora, não dependerão da boa vontade de “caroneiros” para ir ao mercado, à polícia ou a postos de saúde.
     A boa relação entre a comunidade e a prefeitura local é essencial para que as conquistas continuem acontecendo. Faz-se necessário que o diálogo permaneça constante, que as autoridades estejam abertas para ouvir e atender às muitas demandas de Aldeia Verde e de outros grupos. Somente assim podem ter garantidos seu bem-estar e as condições “necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, conforme defende nossa constituição.




Um comentário:

  1. Pense e reflita.

    DEIXE DE SER CARETA de Maletta:

    13 longos anos de CHARLATANISMO!

    É a mentalidade do Petismo que invade os municípios (seja quem for o prefeito); os Estados (de qualquer Partido) e o país!

    Eh, Brasil!!!

    Brasil vigarista, charlatão, picareta e EMBUSTEIRO.

    Só feiúra (plástico, poluição, sujeira, papel jogado pelo cidadão na rua, pichação em Sampa, música decadente e ruim, brega, baranga, PT, PSOL, Satélites: PCdoB…).

    PT sempre foi VIGARISTA. Charlatão.

    PT ADORA pichação (nas paredes das grandes cidades!). É brega, mesmo.
    Essas aí no muro sempre do OUTRO.

    Chamam pichações arte. rsrs.

    E dizem que não há diferença entre GRAFITTE & PICHAÇÃO.

    São corroborados por professores doutores da USP, os ditos “””intelectuais”””.

    Os tais de inteliGENTINHOS. Todos USP!

    São os teóricos pós-modernos. Que dizem: “TUDO É ARTE.”

    Os alunos acreditam; e veneram.

    Inclusive dizem que Baixa Cultura e Cultura de Massa são Artes. rsrs. Professor doutor. Os pós, também. Tudo apenas charlatanismo.

    Pichação, para PT é Alta Cultura. Pra USP, idem. rsrsrs.

    O PT e seus Satélites são barangos. E bregas. E cafonas. E Kitsch.

    Êta, BRASIL!

    ResponderExcluir