domingo, 11 de novembro de 2012

Yũmũgãhã' xahap

Artesãs Maxacali de Aldeia Verde expõem trabalhos com miçangas na Mostra de Design 2012 realizada em Belo Horizonte. 

As peças ficaram expostas entre os dias 17 e 30 de setembro. As artesãs de Aldeia Verde (município de Ladainha, MG) Suely, Elisângela e Shawara Maxacali ofereceram na ocasião uma oficina, aberta ao público, na qual puderam ensinar aos interessados algumas de suas técnicas para a confecção de colares, pulseiras e bolsas. 

A mostra, denominada Yũmũgãhã' xahap (literalmente 'ensinando a tecer'), foi organizada e realizada por Augustin de Tugny. Além de valorizar o belíssimo trabalho de artesanato realizado pelos Maxacali, o evento permitiu que as peças expostas na mostra também pudessem ser vendidas pelas artesãs. 

Seguem algumas fotografias da exposição:

As artesãs e suas peças na mostra.

Peças de tamanhos e cores variados.


Suely Maxakali explica técnicas aos participantes durante oficina.


A estudante de Comunicação Social, Sofia Cupertino, escreveu sua impressão sobre a mostra/oficina. Segue seu texto na íntegra.


Mostra de Design 2012 recebe mulheres Maxakali

       O compartilhamento de saberes é uma ferramenta poderosa quando se trata de contribuir para a valorização das diferenças. Neste processo de troca podemos construir relações mais respeitosas entre as pessoas e os diversos olhares com que experimentam o mundo.
    Este ano, os belo-horizontinos tiveram a oportunidade de compreender as técnicas desenvolvidas pelas mulheres Maxakali para a confecção de peças com miçangas. Quem passou pela oficina, oferecida na Mostra de Design de 2012, não aprendeu apenas a fazer colares, pulseiras e bolsas, mas pôde partilhar outro olhar sobre o mundo, sobre as cores e sobre o vasto conhecimento das índias Maxakali.
   Mais que formas geométricas e coloridas, os temas utilizados pelas índias em seus artesanatos estão associados a um universo de cantos, mitos e espíritos. Muitas vezes, os motivos usados nos artesanatos são os mesmos que ornamentam seus corpos e os mîmãnãm (pau de religião que trazem os yãmîyxop quando estes visitam as aldeias em dias de ritual). Cada yãmîy (espírito) possui seus mitos e seus cantos, estando todos articulados com suas cores e formas. Talvez por isso as peças sejam atraentes para além da beleza das combinações de cores, mas também pelo jogo infinito de micro-variações de que elas são capazes de criar. Variações essas que às vezes passam despercebidas pelo o olhar desavisado, assim como nos cantos passam camufladas pelos ouvidos pouco atentos. A nós, aparecem como detalhes ínfimos, mas podem ser para eles uma alteração proposital e muito significativa no sentido de um canto ou de um desenho.
     Mesmo os visitantes que não participaram da oficina puderam apreciar as peças colocadas em exposição na mostra. Alguns passavam pela sala e paravam para observar o cuidado e delicadeza com que as ministrantes Suely, Elisângela e Shawara manuseavam as miçangas. Elas vão ordenando as pequenas bolinhas coloridas, uma a uma, guiadas pela fina ponta de uma agulha. Um fio de náilon faz caminho para que o quadro seja montado. Aos poucos, as formas vão se delineando até que desvendamos o objeto final que pode ser desde uma bolsa, um colar, até porta-caneta ou porta-isqueiro.
   Suely Maxakali me conta que gostou muito da experiência, mas que o tempo é pouco para aprender tudo que sabem. Afinal, são técnicas desenvolvidas ao longo de muitos anos de prática constante e de aprendizado com as artesãs mais experientes. Um trabalho que exige paciência e atenção; alguns objetos demoram dias e mais dias para ficarem prontos, sendo que o desvio de uma miçanga pode requerer que tudo seja desfeito para a correção de um pequeno erro. As peças produzidas pelas mulheres tikmu' un carregam em si esta outra temporalidade que lhes deu origem.
  Aliás, pensarmos na paciência como virtude indispensável para realizar esse tipo de trabalho talvez seja apenas a maneira ansiosa com que nossa sociedade mecanizada enxerga a atividade artesanal. Na luta contra o ócio, nossas mentes apressadas sabem que o tempo não deve ser perdido e sim cronometrado. Temos que aproveitá-lo ao máximo; produzindo mais, esperando menos. A noção de tempo é outra. A temporalidade indígena é marcada mais por eventos e menos pelos segundos. Tentar respirar o tempo como eles respiram é saltar fora dos ponteiros e vivenciar a fruição dos acontecimentos de outro lugar. O artesanato carrega um pouco disso; é um acúmulo de outra temporalidade.
      A inserção desta oficina na Mostra de Design é mais uma evidência de como a arte pode intensificar as relações interculturais, aproximando olhares distintos. A troca de conhecimento faz com que a valorização da alteridade e o respeito emirjam da convivência despretensiosa. Mais que absorver um pouco da complexa técnica artesanal dominada pelas mulheres Maxakali os participantes puderam experimentar as cores e formas como portais para um passado remoto, onde um ancestral encontra um espírito e partilha com ele cantos que até hoje são lembrados e entoados. São histórias e músicas que estão sempre com elas, seja na lembrança, seja nas cores que levam consigo.




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